segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A verdade está na cara, mas não se impõe. por Arnaldo Jabor


*Leia o comentário de Dora Kramer, Estadão de Domingo:
'A decisão do TSE que determinou a retirada do comentário de Arnaldo Jabor do site da CBN, a pedido do presidente 'Lula' até pode ter amparo na legislação eleitoral, mas fere o preceito constitucional da liberdade de imprensa.
* Abaixo o comentário.


   O que foi que nos aconteceu?
   No Brasil, estamos diante de acontecimentos inexplicáveis, ou melhor, “explicáveis” demais. Toda a verdade já foi descoberta, todos os crimes provados, todas as mentiras percebidas. Tudo já aconteceu e nada acontece. Os culpados estão catalogados, fichados, e nada rola. A verdade está na cara, mas a verdade não se impõe. Isto é uma situação inédita na História brasileira.
   Claro que a mentira sempre foi a base do sistema político, infiltrada no labirinto das oligarquias, claro que não esquecemos a supressão, a proibição da verdade durante a ditadura, mas nunca a verdade foi tão límpida à nossa frente e, no entanto, tão inútil, impotente, desfigurada, broxa.
   Os fatos reais: com a eleição de Lula, uma quadrilha se enfiou no governo e desviou bilhões de dinheiro público para tomar o Estado e ficar no poder 20 anos. Os culpados são todos conhecidos, tudo está decifrado, os cheques assinados, as contas no estrangeiro, os tapes , as provas irrefutáveis, mas o governo psicopata de Lula nega e ignora tudo. Questionado ou flagrado, o psicopata não se responsabiliza por suas ações. Sempre se acha inocente ou vítima do mundo, do qual tem de se vingar. O outro não existe para ele e não sente nem remorso nem vergonha do que faz. Mente compulsivamente, acreditando na própria mentira, para conseguir poder. Este governo é psicopata.
   Seus membros riem da verdade, viram-lhe as costas, passam-lhe a mão na bunda. A verdade se encolhe, humilhada, num canto.
   E o pior é que o Lula, amparado em sua imagem de “povo”, consegue transformar a Razão em vilã, as provas contra ele em acusações “falsas”, sua condição de cúmplice e comandante em “vítima”. E a população ignorante engole tudo.
   Como é possível isso? Simples: o Judiciário paralítico entoca todos os crimes na fortaleza da lentidão e da impunidade. Só daqui a dois anos serão julgados os indiciados — nos comunica o STF. Os delitos são esquecidos, empacotados, prescrevem. A Lei protege os crimes e regulamenta a própria desmoralização. Jornalistas e formadores de opinião sentem-se inúteis, pois a indignação ficou supérflua. O que dizemos não se escreve, o que escrevemos não se finca, tudo quebra diante do poder da mentira desse governo. Sei que este é um artigo óbvio, repetitivo, inútil, mas tem de ser escrito...
   Está havendo uma desmoralização do pensamento. Deprimo-me: “Denunciar para quê, se indignar com quê? Fazer o quê?”. A existência dessa estirpe de mentirosos está dissolvendo a nossa língua. Este neocinismo está a desmoralizar as palavras, os raciocínios. A língua portuguesa, os textos nos jornais, nos blogs, na TV, rádio, tudo fica ridículo diante da ditadura do lulo-petismo . A cada cassado perdoado, a cada negação do óbvio, a cada testemunha, muda, aumenta a sensação de que as idéias não correspondem mais aos fatos! Pior: que os fatos não são nada — só valem as versões, as manipulações.
   No último ano, tivemos um único momento de verdade, louca, operística, grotesca mas maravilhosa, quando o Roberto Jefferson abriu a cortina do país e deixou-nos ver os intestinos de nossa política.
   Depois surgiram dois grandes documentos históricos: o relatório da CPI dos Correios e o parecer do procurador-geral da República. São verdades cristalinas, com sol a pino. E, no entanto, chegam a ter um sabor quase de “gafe”. Lulo-petistas clamam: “Como é que a Procuradoria Geral, nomeada pelo Lula, tem o desplante de ser tão clara! Como que o Osmar Serraglio pode ser tão explícito, e como o Delcídio Amaral não mentiu em nome do PT? Como ousaram ser honestos?”.
   Sempre que a verdade eclode, reagem. Quando um juiz condena rápido, é chamado de “exibicionista”. Quando apareceu aquela grana toda no Maranhão (lembram, filhinhos?), a família Sarney reagiu ofendida com a falta de “finesse” do governo de FH, que não teve a delicadeza de avisar que a polícia estava chegando...
   Mas agora é diferente. As palavras estão sendo esvaziadas de sentido. Assim como o stalinismo apagava fotos, reescrevia textos para coonestar seus crimes, o governo do Lula está criando uma língua nova, uma novi-língua empobrecedora da ciência política, uma língua esquemática, dualista, maniqueísta, nos preparando para o futuro político simplista que está se consolidando no horizonte. Toda a complexidade rica do país será transformada em uma massa de palavras de ordem, de preconceitos ideológicos movidos a dualismos e oposições, como tendem a fazer o populismo e o simplismo. Lula será eleito por uma oposição mecânica entre ricos e pobres, dividindo o país em “a favor” do povo e “contra”, recauchutando significados que não dão mais conta da circularidade do mundo atual. Teremos o “sim” e o “não”, teremos a depressão da razão de um lado e a psicopatia política de outro, teremos a volta da oposição mundo x Brasil, nacional x internacional. A esquematização dos conceitos, o empobrecimento da linguagem visa à formação de um novo ethos político no país, que favoreça o voluntarismo e legitime o governo de um Lula 2 e um Garotinho depois.
   Assim como vivemos (por sorte...) há três anos sem governo algum, apenas vogando ao vento da bonança financeira mundial, só espero que a consolidação da economia brasileira resista ao cerco político-ideológico de dogmas boçais e impeça a desconstrução antidemocrática. As coisas são mais democráticas que os homens.
   Alguns otimistas dizem: “Não... este maremoto de mentiras nos dará uma fome de verdades!”. Não creio. Vamos ficar viciados na mentira corrente, vamos falar por antônimos. Ficaremos mais cínicos, mais egoístas, mais burros.
   O Lula reeleito será a prova de que os delitos compensaram. A mentira será verdade, e a novi-língua estará consagrada

sábado, 14 de agosto de 2010

A arte de ser avó. Raquel de Queiroz


   Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...
   Cinquenta anos, cinquenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações — todos dizem isto embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto — mas acredita.
   Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências.   
   A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meus Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aquelas crianças que você recorda.
   E então um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis — aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.
   Sim, tenho certeza que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que os netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos.
   No entanto — no entanto! — nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, a rival: a mãe. Não importa que ela seja sua filha. Não deixa por isso de ser mãe do seu neto. Não importa que ela ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais.
   Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais.
   A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
   Já a avô, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto.
   Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia.
   Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café — café! — mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser e até fingir que está discando o telefone.
   Riscar a parece com o lápis dizendo que foi sem querer — e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna.
   Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto.
   E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.
   E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que, se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade e apoio... Além é claro das compensações....
   Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho — involuntariamente! — bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois, o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó?

   Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague.

   *Descoberto no momento de minhas reflexões como avó

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

DORA KRAMER Vinhos de outras pipas



O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/08/10

   Obrigados pela lei a fabricar omissões onde a honestidade com o público requereria nitidez, os analistas da cena política são forçados a mentir no rádio e na televisão em suas análises sobre o desempenho dos candidatos presidenciais nesta temporada de debates e entrevistas. De onde se produz, por exemplo, a obra de ficção segundo a qual Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva tiveram atuações “equivalentes” e que são mais ou menos iguais.
   Só na cabeça de ervilha dos parlamentares inspiradores dessa legislação passa a ideia de que a opinião de comentaristas possa criar desigualdade a ponto de distorcer a vontade do eleitor. Por muito mais - o uso desbragado da máquina pública - o presidente da República investe diariamente no desequilíbrio do jogo.
   Até pelo tempo de estrada, se José Serra se apresentasse no mesmo patamar das adversárias seria uma demonstração de incompetência com certidão passada em cartório do céu.
   Serra já disputou várias eleições majoritárias (presidente, prefeito, governador e senador) e passou algumas dezenas de anos fazendo as coisas de modo a um dia concretizar o projeto de ser presidente.
   Suas oponentes entraram nessa vida de exposição, cobranças e assédio praticamente anteontem, sendo que Dilma nunca pediu um voto e Marina se elegeu senadora por um Estado diminuto, o Acre.
   Por essas e algumas outras a exigência do eleitor/telespectador em relação ao tucano é muito mais rigorosa.
   A superioridade de Serra no assunto em pauta, o exercício da Presidência da República, é obvia e irrefutável. Tanto isso é verdade que os correligionários de Dilma comemoraram o fato de ela não ter tido uma atuação desastrosa. A candidata do PT leva vantagem neste aspecto: se não é péssima, fica convencionado que foi ótima.
   Marina fica em certa desvantagem, pois a expectativa de que faça algo exótico e altamente estimulante do ponto de vista eleitoral é muito alta. No primeiro debate de televisão, por exemplo, a candidata do PV teve uma participação, digamos, normal.
   Foi o suficiente para ser considerada a grande perdedora Plínio de Arruda Sampaio, de quem não se esperava coisa alguma, conseguiu “vencer” e, de acordo com a tolice da estação, “bombar no Twitter”, mesmo dizendo ligeirezas radicais. Alguém já pensou o que seria feito de Serra ou de Dilma se à meia-noite um dos dois olhasse fixo para a câmera e falasse olho no olho para “você camponês que está me ouvindo”?
  Pois é, a avaliação do desempenho dos candidatos no debate da Band, nas entrevistas do Jornal Nacional/Jornal das Dez (Globonews), depende da perspectiva e da expectativa do público.
  O PT já está fazendo um carnaval por aí, alegando que a dupla de entrevistadores do JN favoreceu José Serra. Não se vê, entretanto, provas disso. Qual o assunto que poderia ser abordado e não foi? Qual a pergunta que poderia ter sido feita e não foi?
   A temática economia e Banco Central - um tanto elaborada para o público em questão - foi abordada mais tarde no noticiário da TV paga e Serra tirou de letra, ao contrário de ocasiões outras em que saiu de si e caiu na besteira de se irritar quando cobrado sobre o assunto.
   A questão é que a prática tornou Serra afiado no treino e o plano de vida o fez acumular passivo menos polêmico. Não há - ao menos à vista - constrangimentos sérios com os quais possa ser confrontado.
   Dilma, além de precisar responder pelos crimes dos outros ainda tem de ouvir se está preparada para ser presidente. A mesma pergunta para o tucano não faz o menor sentido, a não ser como forma de levantar uma bola para favorecê-lo.
   Já foi dito aqui, mas convém repetir: qualidade de conteúdo e vitória eleitoral não são fatores que andam necessariamente juntos. Nem separados. Já tivemos excelentes governantes bem votados, preparadíssimos candidatos perdedores e fraudes evidentes celebradas pelo eleitor, que nem sempre tem compromisso com a lógica.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Carta Brasil

Para acabar com privilégios e desmandos dos políticos do Brasil, que nós mesmos elegemos, dever ter um 'Projeto Brasil', um estudo sério em todos os setores do país para um desenvolvimento palnejado e metódico com uma cronologia a cumprir. O desenvolvimento será gradual e disseminado em todas as regiões com os projetos imprescindíveis e prioritários a cada uma delas. (assim não se contruiriam pontes antes de ter estradas...)


Aí me perguntariam qual o mérito dos governos/partidos; e eu repondo; quem melhor administrou o país com o maior número de feitos (execução dos projetos) no tempo referente ao mandato. Simples assim! É como premiar o aluno pelas notas altas, permitindo que ele avance em mais outra série de desafios! Quem não for competente, não tem como se reeleger.

"Como seria maravilhoso o meu Brasil".
 
Carolina Murad

domingo, 1 de agosto de 2010

Cara ou Coroa? por Fernando Henrique Cardoso

  
Em pouco mais de dois meses escolheremos o próximo presidente. Tempo mais do que suficiente para um balanço da situação e, sobretudo, para assumirmos a responsabilidade pela escolha que faremos. É inegável que a popularidade de Lula e a sensação de "dinheiro no bolso", materializada no aumento do consumo, podem dar aos eleitores a sensação de que é melhor ficar com o conhecido do que mudar para o incerto.

   Mas o que realmente se conhece? Que nos últimos 20 anos melhorou a vida das pessoas no Brasil, com a abertura da economia, com a estabilidade da moeda trazida pelo Plano Real, com o fim dos monopólios estatais e com as políticas de distribuição de renda simbolizadas pelas bolsas. Foi nessa moldura que Lula pregou sua imagem.
   Arengador de méritos, independentemente do que diga (quase nada diz, mas toca em almas ansiosas por atenção), vem conseguindo confundir a opinião, como se antes dele nada houvesse e depois dele, se não houver a continuidade presumida com a eleição de sua candidata, haverá retrocesso.
   Terá êxito a estratégia? Por enquanto o que chama a atenção é a disposição de bem menos da metade do eleitorado de votar no governo, enquanto a votação oposicionista se mantém consistente próxima da metade. Essa obstinação, a despeito da pressão governamental, impressiona mais do que o fato de Lula ter transferido para sua candidata 35% a 40% dos votos. Assim como impressiona que o apoio aos candidatos não esteja dividido por classes de renda, mas por regiões: pobres do Sul e do Sudeste tendem a votar mais em Serra, assim como ricos do Norte e do Nordeste, em Dilma. O empate, depois de praticamente dois anos de campanha oficial em favor da candidata governista, tem sabor de vitória para a oposição. É como se a lábia presidencial tivesse alcançado um teto. De agora para a frente, a voz deverá ser a de quem o País nunca ouviu, a da candidata. Pode surpreender? Sempre é possível. Mas pelos balbucios escutados falta muito para convencer: falta história nacional, falta clareza nas posições; dá a impressão de que a palavra saiu de um manequim que não tem opiniões fortes sobre os temas e diz, meio desajeitadamente, o que os auditórios querem ouvir.
   Não terá sido essa também a técnica de Lula? Até certo ponto, pois este, quando esbraveja ou quando se aferra pouco à verdade, o faz "autenticamente": sente-se que pode assumir qualquer posição porque em princípio nunca teve posição alguma. Dito em suas próprias palavras: "Sou uma metamorfose ambulante." Ora, o caso da candidata do PT é o oposto (essa é, aliás, sua virtude). Tem opiniões firmes, com as quais podemos ou não concordar, mas ela luta pelo que crê. Este é também seu dilema: ou diz o que crê e possivelmente perde eleitores por seu compromisso com uma visão centralizadora e burocrática da economia e da sociedade ou se metamorfoseia e vira personagem de marqueteiro, pouco convincente.
   Não obstante, muitos comentaristas, como recentemente um punhado de brasilianistas, quando perguntados sobre as diferenças entre as duas candidaturas, pensam que há mais convergências do que discrepâncias entre os candidatos. Será? As comparações feitas, fundadas ou não, apontam mais para o lado psicológico. O que está em jogo, entretanto, é muito mais do que a diferença ou semelhança de personalidades. O quadro fica confundido com a discussão deslocada do plano político para o pessoal e, pior, quando se aceita a confusão a que me referi inicialmente entre a situação de desafogo e bem-estar que o País vive e Lula, que dela se apossou como se fosse obra exclusiva sua. Se tudo converge nos objetivos e se estamos vivendo um bom momento na economia, podem pensar alguns, melhor não trocar o certo pelo duvidoso. Só que o certo foi uma situação herdada, que, embora aperfeiçoada, tem a marca original do fabricante, e o duvidoso é a disposição da herdeira eleitoral de continuar a se inspirar na matriz originária. O candidato da oposição, esse, sim, traz consigo a marca de origem: ajudou a construir a estabilidade, a melhorar as políticas sociais e a promover o progresso econômico.
   Não nos iludamos. O voto decidirá entre dois modelos de sociedade. Um mais centralizador e burocrático, outro mais competitivo e meritocrático. No geral, ambos os oponentes levarão adiante o capitalismo. Estamos longe dos dias em que o PT e sua candidata sonhavam com o que Lula nunca sonhou: o controle social dos meios de produção e uma sociedade socialista. Mas estamos mais perto do que parece de concretizar o que vem sendo esboçado neste segundo mandato petista: mais controle do Estado pelo partido, mais burocratização e corporativismo na economia, mais apostas em controles não democráticos, além de maior aproximação com governos autoritários, revestidos de retórica popular.
   A escolha a ser feita é, portanto, decisiva. Como tudo indica, o teatro eleitoral está-se organizando para esconder o que verdadeiramente está em discussão. Há muita gente nas elites (vilipendiadas pelo lulismo nos comícios, mas amada pelos governantes e beneficiada por suas decisões econômico-financeiras) aceitando confortavelmente a tese de que tanto dá como tanto deu. Dê cara ou dê coroa, sempre haverá "um cara" para desapertar os sapatos. Ledo engano. Há diferenças essenciais entre as duas candidaturas polares. Feitas as apostas e jogado o jogo, será tarde para choramingar: "Ah, eu nunca imaginei isso." Melhor que cada um trate de aprofundar as razões e consequências de seu voto e escolha um ou outro lado.
   Há argumentos para defender qualquer dos dois. Mas que não são a mesma coisa, não são. E não porque num governo haverá fartura e noutro, escassez, para pobres ou ricos. E sim porque num haverá mais transparência e liberdade que no outro. Menos controle policialesco, menos ingerência de forças partidário-sindicais. E menos corrupção, que mais do que um propósito é uma consequência.

SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA